depois da queda (ou: uma carta pra tentar te fazer desejar um pouquinho mais de vida)
Ontem eu vi uma frase e lembrei de você. Tava assistindo um filme, daí, pra te dar um contexto, tava rolando o seguinte: a moça ia fazer um cruzeiro com o marido, eles tavam se programando há um tempo, só esperando ela aposentar. Daí ela aposentou e logo em seguida o marido enfartou e foi parar no hospital, eles não tinham mais uma perspectiva das coisas da vida, sequer saberiam se poderiam fazer o cruzeiro. No caso, o marido ficou inconsciente e ela obviamente ficou muito mal, triste, chorosa etc. Daí ela diz o seguinte:
"You know... all right, this is what I have right now. And no matter how much better, uh, whatever I imagine in my head, it's not as real as what I do have. So... It's hard, isn't it, being a person?" (sometimes i think about dying)
Na minha interpretação, ela tava falando sobre a dificuldade de poder sonhar ou projetar as coisas, porque de nada adiantaria, afinal a realidade pesava muito mais. Meio que o sonho não se sustenta, pq ele não consegue pulsar tão forte (ser tão real) quanto a realidade que ela tava vivendo ali.
Eu senti muito essa frase... era uma parte "quase" insignificante do filme, mas foi o que mais ficou comigo. Bateu forte mesmo. Porque às vezes a realidade pesa tanto que a gravidade não deixa a gente tirar o pé do chão, voar, sonhar. É muito triste e muito real tbm.
Enfim, eu lembrei de você pq acho que a gente tá sentindo coisas mais ou menos parecidas, embora tenhamos nossas especificidades e individualidades e tals. Mas eu fiquei pensativa mesmo. E me perguntando tbm sobre o que adianta a gente existir sem sonhar, sabe? Sem desejar, sem pulsar algum querer.
Tipo, no meu caso, a pergunta que ficava latejando era "o que é vida? o que é viver?". Porque, veja bem, se eu valido o desejo das pessoas, pq eu não valido o meu? Se eu luto pra que todo mundo tenha o direito de sonhar, eu sou parte desse todo, eu tbm preciso me dar esse direito e validar ele. Se viver, pra mim, é desejar, como que eu quero estar viva/viver e não me permitir desejar?? Tipo, a minha falta de desejo vem de algum lugar (do medo de morrer, literal e figurativamente; do medo de falhar comigo, com os outros.. de ter outra crise de ansiedade enquanto experiencio a vida e daí eu perco ela (a vida). Tem lógica? Eu quero viver menos, pra tentar viver mais. Mas viver mais, sem desejo e sonhos, é viver? Sei lá... kkkkkkkkrying). Enfim, porque tanto medo, se é um fluxo natural? E, sabe, acho que se a realidade tá pesada, é só o sonho que vai poder ajudar a gente a se movimentar e sair do lugar. A gravidade puxa, mas a gente é energia também, a gente é uma força da natureza, tal qual a gravidade (quer dizer, sei lá, mó viagem, eu não sei nada de física aiuheauiheuiahe).
Mas é isso, sei que tô filosofando aqui e falando muito sobre mim, mas, eu ouvi a frase e me bateu forte e eu realmente fiquei lembrando de você.. no seu caso, acho que a pergunta seria "o que é existir?". Porque que vc, hoje, não quer existir? O que vc vislumbra em relação ao trabalho e pq vc, hoje, tá insatisfeito? Eu imagino (e sei) que vc faz mt esforço pra que os outros possam existir, mas esquece que vc tbm é outro pra alguém. Às vezes, até pra vc mesmo. Mas se vc tá validando as múltiplas existências, logo, a sua é válida e legítima também. Vc tbm precisa existir. Não sei o que significa existir pra vc e não precisa me falar. Mas tenta pensar uma imagem que significaria o auge da tua existência, qual seu desejo, seu significado de vida hoje? Na sua essência mesmo, sabe?
Tipo, quando eu pensava sobre isso, a minha imagem foi me ver com minhas amigas na beira do Rio Sena, em Paris, tomando um vinho. Rindo, admirando o tempo, o vento, as luzes da cidade na famosa cidade das luzes. Esperando chover pra eu poder falar "i love paris in the rain", como quando eu cantava aquela música da Regina Spektor na adolescência. Eu me vejo lá, feliz, falando de filosofia, cinema, jogos, cultura, cantando bêbada, vivendo uma cena de filme, meio novelle vague meio trilogia before, sabe?? Eu fecho os olhos e me vejo lá, nesse momento, me sentindo mt realizada, independente, sem medo de passar mal, sem pensar muito sobre o amanhã, mas com uma certeza de que conquistei algo que eu poderia me orgulhar. Eu fecho os olhos e me sinto lá, percebo como foi bom ter desajo aquilo um dia. Não é pelo glamour ou o status da coisa. Estar ali, vivendo aquele instante no Rio Sena bebendo vinho, representa minha intimidade. Representa meu doutorado sobre jogos na frança. Significaria que, finalmente, consegui chegar lá. Significa que, finalmente, consegui dar uma volta fora de casa, driblando a estatística da classe que nasci, que sempre me imobilizou e me fez pensar que eu nunca poderia conhecer um outro pedacinho do céu, mais um pedacinho de mundo. Não que eu não goste do meu (eu amo isso aqui... mas dá pra amar mais, né?).
Enfim. Você perguntou sobre mim e isso já te diz um pouco do que tô sentindo com a vida, rs. Essa melancolia aí de não saber o que querer, como querer, pq querer e sequer me sentir no direito de querer. Muito medo de tudo. Medo de viver mesmo. Só que eu quero mt viver. Só que sinto que eu não posso me permitir viver, pq quanto mais eu vivo, mais risco eu corro. E eu tô cansada de cair e me machucar. É meio que um paradoxo: quanto mais eu vivo, menos vida posso ter, sabe? Então quer dizer que se eu viver menos, eu me arrisco menos e vivo mais (sendo que viver mais já seria, automaticamente, arriscar mais?)?
Até acredito que viver é sobre o tempo, mas... é sobre calendário? Eu acho que não. Mas porque me apegar nele, como se fosse sinônimo de "mais vida"? De novo... do que adianta viver sem desejar? Só o desejo movimenta e sustenta a existência. Enfim, eu só quero existir sem tanto medo de cair de novo. Porque todas as vezes que vivi muito o meu desejo, minha alma ficou feliz, mas meu corpo meio que pediu socorro. Too much to feel, too much to fear. Entende?
No fim das contas, eu não quero viver porque, com altos e baixos, uma hora eu caio de novo. É natural. Pode ser até um impulso pro próximo salto. Mas e se não for? E se eu não conseguir levantar? Eu tenho medo de que depois da próxima queda, talvez não haja mais amanhãs. Entende?
Acho que é por aí, rsrsrsrs. Me perdoa pela viagem, pffff, pra variar, eu falei demais né? kkkkk depois me manda notícia, tô com saudade.
Ah, tô deixando aqui a indicação de uma música tá? Se der, escuta aí depois e me conta o que achou.
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Que sigamos caminhando, Eduardo. (por Valentin)
A utopia serve para isso, para caminhar.
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