você conseguiu tirar tudo de mim, até o carnaval.
hoje é carnaval e nem é meu aniversário.
hoje o carnaval tem gosto amargo
e ouvir o batuque do tambor nunca me vibrou tão mal.
hoje é carnaval e nem é fevereiro ou março,
definitivamente eu não queria tá aqui.
hoje é carnaval, mas a festa me bate feito velório,
e no caixão eu consigo ver uma parte tão grande de mim que só me resta deixar a lágrima escorrer por não saber muito bem como fazer a tristeza ir embora.
hoje é carnaval
e a festa da carne não tá no céu, nem na terra,
porque não tem alma pra subir, nem pra descer.
não tem alma
pra sentir.
ontem foi aniversário dela,
hoje foi aniversário dele,
talvez em algum amanhã vai ser o meu.
mas hoje já é carnaval,
e o tempo resolveu se atropelar outra vez.
parece que pra me lembrar do vazio, do buraco, do grotesco, do fundo do poço e daquele lugar escuro em que já estive mais de uma vez.
mas hoje é carnaval,
deveria ser meu aniversário, não deveria chover,
eu deveria poder ser
-eu
não adianta.
o batuque tá tocando, eu tô ouvindo.
a música se repete, a história também.
o sonho é roubado, a alma também.
minhas pernas são cortadas, meu caminho também.
minha voz silenciada, mas tudo bem
(vai lá, grita logo, faça todo mundo te ouvir, talvez você precise disso mais do que eu)
o batuque tá tocando, eu tô te ouvindo.
grita mais, bate mais forte.
usa o que é meu, seja eu, seja tudo isso que eu te dei, seja tudo isso que você já roubou, seja tudo isso que você acha que criou.
eu queria que hoje não fosse carnaval.
eu queria não ter que ouvir o batuque, o repique, o pé arrastando e marchando no chão ou o apito que me lembra até de noel rosa quando eu não queria lembrar nem de mim.
logo eu,
que queria que fosse carnaval o ano inteiro.
agora talvez eu não queira mais carnaval dia nenhum,
já que até o batuque da minha bateria você foi capaz de roubar.
você vê, Simba? tudo aquilo que você toca, você rouba, você destrói.
você vê, Simba? não existe mais Sol e o carnaval é uma lágrima triste.