antes éramos cinco...

Pai, mãe, irmão, irmã e eu. Adorávamos viajar! Andar de trem, que maravilha! E lá estava eu, à caminho do embarque. Todo mundo com tantas bagagens e, claro, o pai sempre com a maior parte. Esbanjava formosura, era forte e sempre estava olhando para todos os lados. Eu, sempre mais baixa, naquela época ainda mais, olhava para cima e o via. Via aquele homem com cara de doutor; com cara de segurança. A mãe, sempre com pressa, ficava mandando a gente correr, andar bem depressa para não perder o trem. Eu, sempre mais baixa, naquela época ainda mais, olhava para cima e a via. Via aquela mulher com cara de gente da televisão; gente chique e elegante. Aqueles cabelos cor de ouro só mostravam o quão bela era. Por fora. Por dentro. Logo atrás vinha o irmão, com cara de galã de novela. Aquele cabelo loiro estilo surfista, a bochecha rosada e o sorriso mais simpático, era o que todo mundo admirava. Eu, sempre mais baixa, naquela época ainda mais, olhava um pouco para cima e o via. Via aquele garoto cheio de pose, com um sorriso de encantar todas as moças do lugar. Eu tinha orgulho em dizer: "esse é o meu irmão!". A irmã era a mais fácil de ver. Tentava ser discreta, era sempre tímida. Tentando se esconder aparecia mais ainda. Mas tudo bem, ela teve que se acostumar com tudo isso. Era aquela que todo mundo reparava. Aquela que esbanjava delicadeza. Eu, sempre mais baixa, naquela época ainda mais, olhava um pouco para cima e a via. Via aquela garota linda. Aquela garota de cabelos loiros que pareciam de boneca; sempre bem cuidado, sempre liso, sempre brilhante. Intacto, assim como a roupa e tudo o que a acompanhava. Mais cuidadosa, não há. Era mesmo uma princesa! Eu tinha orgulho em dizer: "essa é minha irmã!". Agora, eu, a mais nova. Era difícil me achar. Sempre pulando e correndo de um lugar a outro. Aquela sapeca que vivia suja e com cabelo bagunçado, de tanto brincar. Cuidado e delicadeza nunca foi meu ponto forte. Gostava mesmo era de bagunça; de imitar as pessoas; de fazer os outros rirem. Eu, sempre baixa, naquela época ainda mais, mal conseguia ver as pessoas no meu horizonte. Mas via à todo momento as plantas, as flores, os animais. Gostava. Era bonito. Olhar para cima era sempre bom. Eu via o pai, a mãe, o irmão e a irmã. Não conseguia ver tudo o que eles viam, mas daqui de baixo, eu via uma família linda. Pareciam rei e rainha, príncipe e princesa. Não sei o que eles viam, mas se daqui era uma visão tão bonita, lá de cima, devia ser melhor ainda! Me lembro como era legal viajar de trem. Todo mundo subindo e vendo quem sentaria com quem. Alguém revezaria, no fim. Os assentos são de dois em dois. As vezes, aproveitando do meu tamanho eu me enfiava no meio de alguém pra ninguém precisar ficar sozinho. Engraçado era a velocidade que a gente gritava a mãe e pedia comida. Era só se acomodar e um gritava: "Mainhê, dá danoninho?". E o outro: "Ahh, eu quero! Tem chocolate?" E por aí começava a viagem.
[...]
E foi exatamente assim que contei a história das minhas viagens de trem na infância, para a Senhora que hoje mesmo se sentou ao meu lado. Ela havia perguntado se eu já havia viajado de trem alguma vez ou se essa, era a primeira. Ela me dizia que nunca tinha tido oportunidade e que nessa primeira vez, estava gostando muito. Se sentia uma mocinha das novelas. Era como se tivesse seus vinte e poucos anos. Não sei quantos anos ela tem, mas aquela cara de sessenta e tantos anos, parecia agora uns vinte e poucos, após a alegria que colocava para fora.
No fim da conversa, depois de muito papear, antes de se despedir me perguntou: "É, você está aqui, agora, do meu lado. Estou vendo. Mas e os outros quatro: pai, mãe, irmão e irmã? Porque você está sozinha?" Foi aí que eu tive que pensar bastante... cada um hoje tem a sua vida, não sei mais quem são. Só restam lembranças do que foram. Já não posso responder com certeza sobre eles.
 "Bom, o pai foi pra roça há alguns dias... está construindo mais uma parte do sítio. A mãe estava em casa, mas agora foi acompanhar a construção do sítio, junto com o pai. O irmão mora na cidade grande, na capital. Trabalha, estuda... é independente. Sempre faz viagens com os amigos, com a faculdade... tem seu próprio carro. Já foi ao Rio de Janeiro, já foi a São Paulo... .A irmã mora numa cidadezinha do interior. Essas cidades universitárias. Um lugar tranquilo e com sossego. Ela tem sua vida, sua  liberdade... agora está até namorando. Um tal de Cris, que por sinal parece uma boa pessoa. E eu... bom, eu estou aqui pronta pra desembarcar. Vou prestar vestibular neste final de semana e estou esprando para chegar a minha vez de ir embora. Se Deus quiser, dará tudo certo. Pai, mãe, irmão e irmã estão torcendo por mim. "
A Senhora se despediu e me desejou boa prova. Disse pra eu ficar tranquila, porque esse é o ciclo da vida. No final, nós iríamos nos encontrar de novo. Eu perguntei porque. Ela respondeu: "Não sei, só sei que foi assim! Comigo foi assim."
Ela riu e saiu caminhando pelo corredor do trem.
Eu, fiquei sentada, sozinha, observando. Suspirei e disse: "É, e aqui estou eu dentro deste trem."
Ahh, como eu adoro viagens!

Mãe - Pai

Irmão

Irmã

Eu, sempre a mais baixa...

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