Coisas que você só vê quando desacelera

Ser presença é um mergulho em que a vida inteira se manifesta em um lapso, uma memória, um instante. Quanta vida há num instante? 

Hoje eu saí de casa e senti um abraço da rua.

"It's affection. Always."

E eu sempre insisto em resistir. 

"Nothing is gonna hurt you, baby", eu repito pra mim mesma, tentando me proteger (de mim?).

Que sorte que a gente tem de poder ter a chance de mergulhar na gente mesmo. 

É como (se) dobrar (n)o tempo: hoje eu vi o passado, o presente e o futuro ao mesmo tempo. 

(a)O mesmo tempo.

Hoje eu me vi no passado, no presente e no futuro. 

Quanto tempo tem que eu não venho aqui?

Hoje eu pisei de novo no lugar que por muio tempo foi a minha casa fora de casa. 

Nessa casa eu tive medo, muitos. 

Perdi a conta de quantas vezes me perdi, me achei, me fiz lágrima, me fiz afeto, me fiz erro, me fiz desencontro, me fiz arte, me fiz causa perdida, me fiz decepção, me fiz abraço, me fiz vazio, cheio, transbordando, quebrado, retalho.

Onde eu aprendi que a arte pode estar em tudo, mas que às vezes é importante se apropriar dela como ferramenta política.

Onde eu aprendi que a fabulação é também ciência.

Onde eu aprendi que sem arte eu não sou ninguém e que é a arte que me move.

Não gosto de determinismos, mas se eu puder fabular sobre um componente estrutural da nossa existência humana, eu diria que está na arte.  

Coutinho me ensinou sobre um dia na vida, um dia qualquer que, assim como hoje, pode significar muita coisa. É como Miguilin, basta uma lente nova e o seu mundo ganha outra cor.

Um tempo depois, Massumi me contou sobre a autonomia dos afetos; Simondon, a dos objetos; Luiz, a das estrelas - consequentemente, a minha também. Borges me convenceu que eu posso deixar um pouco de mim em todo lugar - até no Saara. Manoel de Barros me avisou das ignorânças, e eu entendi que a gente precisa mesmo desacelerar e observar os nadas, porque eles dizem tudo. Quando Didi-Huberman me ensinou sobre a memória das cascas, eu ele tava, na verdade, me preparando pra conhecer os afetos, as individuações, a areia do deserto (ou da praia), as ingnoranças, o tempo, o universo e tudo mais. Ele tava me preparando pros encontros, um eu descompassado.

"Me abraça pelo espaço de um instante", eu repito pra mim mesma. Talvez essa frase não seja só sobre aquele outro, mas sobre todos, sobre tudo, sobre a existência - seja ela qual for.

É sobre enxergar com o corpo, com as frequências e as vibrações. 

É sobre perceber que a rua performa memória. 

É sobre um pixo que grita o que a gente não tem coragem de dizer. 

Sobre uma esquina que se faz tela e projeta a cena de beijo que hollywood queria ter tido a oportunidade de filmar. Sobre as cores, os cheiros e os sons que constroem uma pintura no meu imaginário - sem moldura, sem limites. Transborda e se materializa na minha comunicação com o outro.

É sobre respirar e se mobilizar por tudo, por nada, por poder ser e apenas isso.

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